segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Marc Ferrez e a Fotografia Brasileira da segunda metade do século XIX

Breve Contextualização Histórica da Arte no Brasil Imperial

    A arte no Brasil Imperial da segunda metade do século XIX é caracterizada pela hegemonia da Escola Imperial de Belas-Artes, fundada pelo grupo que formara até então a Missão Francesa, em Novembro de 1926.  Antecedendo sua fundação, artistas brasileiros como Aleijadinho eram vistos (assim como na Europa Medieval, antes do surgimento da Renascença) como meros artesãos. Têm estes como principal empregador à Igreja e sua arte é fortemente marcada pelo estilo barroco.

Com a fundação da Academia Imperial de Belas-Artes no século XIX este cenário muda, surgindo um projeto de consolidação e de enaltecimento do Império Brasileiro e seu Chefe de Estado, o Imperador. A Academia é acompanhada, assim, de um profundo senso de missão civilizatória em sua necessidade de enaltecer o Império. A Academia Imperial é mercada pelo conservadorismo artístico da época, e, portanto, o estilo principal que tenta ser consolidado é o Neoclassicismo. Todavia, quando esta instituição chega ao Brasil, é acompanhada pela pressão vinda de duas novas tendências pictóricas que faziam o gosto da Europa no momento – o Naturalismo e o Realismo – diferenciando-se da tradição Neoclássica pelo que entendia como captação ‘fiel’ do real. Dicotomia esta que levou a Academia aos poucos a integrar estes novos estilos em sua produção artística, em partes pelo próprio gosto do Imperador, que apreciava paisagens em aquarela de artistas naturalistas. É neste contexto que surge a fotografia no Brasil, como uma nova e infalível técnica de representação do real e que também lutou por espaço dentro da Academia, tendo confrontado o pensamento dos mestres conservadores da época sobre qual deveria ser seu posicionamento.

 Marc Ferrez – Fotógrafo do Império e do Brasil


1906 – Avenida Central, atual avenida Rio Branco. RJ. Instituto Moreira Salles. 


Nascido em 7 de Dezembro de 1843 no Rio de Janeiro, filho de Alexandrine Chevalier e Zéphyrin Ferrez, o destino parece reservar a Marc Ferrez, através de infortúnios diversos, as condições necessárias que o fariam pioneiro da fotografia no Brasil imperial.

Seu pai, outrora gravador de medalhas e metais para a Missão Francesa e depois Academia Imperial, deixa este ofício posteriormente para fundar uma fábrica de papel em Andaraí, região do Rio de Janeiro. É neste contexto que, em 1850, Marc perde seus pais juntamente com escravos e a propriedade na qual havia crescido num misterioso acidente, provavelmente devido à contaminação química por parte da fábrica, aos sete anos de idade. É então levado à França, onde vive na companhia do amigo da família e escultor francês Alphée Dubois. É provavelmente durante este período na França onde o jovem Ferrez primeiro toma contato com a fotografia, da qual a França entre outros países como a Inglaterra e o próprio Brasil, é pioneiro em desenvolver tal tecnologia. Durantes sua estadia na França destaca-se a Exposição Universal de Paris de 1855, da qual certamente deve ter tomado contato com Dubois.

Marc Ferrez retorna ao Brasil em 1859 (aos dezesseis anos), onde é empregado pela oficina de Georges Leuzinger, fotógrafo suíço. Esta, ao contrário de ocupar-se inteiramente de fotografia da nobreza carioca da época, atendia mais ao mercado editorial europeu e norte-americano com fotos de paisagens do Brasil para suprir uma demanda de ilustrações de trabalhos científicos e de estudiosos naturalistas. É neste contexto que Ferrez teria se especializado como fotógrafo de paisagens e navios, possivelmente sobre a influência de outro fotógrafo do estúdio Leuzinger, Franz Kellner.


1875 – Cachoeira de Paulo Afonso. BA. Leibniz-Institut fuer Laenderkunde, Liepzig. 


Em 1867, abre sua firma sobre o nome Marc Ferrez & Cia. A prática que absorvera do estúdio de seu antigo empregador o notabilizou como fotógrafo da Marinha Imperial, epíteto que aparece em seus cartões no final da década de ’60, devido as suas fotografias de estaleiros imperiais que eram destinados a fabricações de navios para a Guerra do Paraguai.



1884 – Araucárias. PR. Instituo Moreira Salles. 


 Outro infortúnio lhe sobressai em Novembro de 1873, quando um incêndio destrói todo seu acervo de materiais e negativos, fazendo com que este viaje ao Velho Mundo, criando laços e contatos com diversos vendedores e distribuidores de materiais fotográficos. E dentro deste contexto que Marc viera a se tornar um dos mais importantes importadores de materiais fotográficos e fílmicos da segunda metade do século XIX e primeira década do século XX. Contatos estes que o fizerem liderar durante este recorte de tempo, o monopólio da indústria fotográfica e das primeiras salas de cinema no Brasil.

Porém, é apenas na década de ’70 que vemos Ferrez assumir o papel de um dos maiores pioneiros do ramo no Brasil quando é contratado para fazer parte da Comissão Geológica do Império de 1875-77, chefiada pelo cientista canadense Charles Frederick Hartt. A comissão tinha como objetivo viajar por diversas partes do Brasil, mostrando através do registro fotográfico o potencial das riquezas naturais do Brasil e ajudar na consolidação da identidade nacional. A comissão percorreu trechos diversos do território do Nordeste brasileiro, como as cachoeiras de Paulo Afonso, as paisagens do baixo São Francisco e os arrecifes de Pernambuco.  Suas imagens, apesar de terem sido feitas com o propósito de ajudar cientificamente a Comissão, acabam ganhando notoriedade na IV Exposição Nacional de 1875 quanto na Exibição Universal da Filadélfia de 1876, contribuindo assim para um acervo de imagens que ajudaram a consolidar um senso de identidade nacional brasileira. 


1875 – Charles Hartt, durante levantamento da comissão da Comissão Geológica do Império. PE. Instituo Moreira Salles. 

Mesmo após a comissão ter chegado ao seu fim em 1877 por motivos econômicos e pela própria morte de Hartt por febre amarela, Ferrez continuou até o fim de sua carreira a fotografar cenas de um Brasil diversificado em seus sujeitos que o compunham, rico em crescimento econômico, florescente em obras e construções.


1895 – Ponte do Silvestre. RJ. Instituto Moreira Salles. 

Comentários sobre sua produção e a identidade nacional

Embora tenha se destacado no início de sua carreira como fotógrafo de paisagens e navios, a produção de Ferrez se destacou ainda mais pela diversidade de temas, tendo fotografado também pessoas de todos os níveis sociais, panoramas, estruturas como pontes, aquedutos e reservas, e diferentes partes do território nacional.

A construção da identidade brasileira através da fotografia de Marc Ferrez apresenta algumas questões a serem consideradas. Primeiro, porque estamos tratando de algo que não vem naturalmente, mas que teve todo um esforço político por trás - como fazer sujeitos diversos que não haviam todos nascidos sob um mesmo período temporal e sob um mesmo governo, sentirem-se parte da identidade de uma mesma nação? Trata-se de algo que não veio naturalmente, mas que de sua natureza é construção discursiva. A construção da identidade nacional se dá como discurso. 

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1875 - Quitandeiras. RJ. Instituto Moreira Salles. 

1875 - Índios do sul da Bahia. BA. Instituo Moreira Salles.


A ampla visibilidade que estas imagens tiveram, tanto para o país como para o exterior, ajudaram a criar a imagem de um Brasil dicotômico – se por um lado, a diferença entre as diferentes etnias que habitaram o mesmo espaço geográfico em períodos diferentes (pois temos de início os indígenas, depois temos as chegadas dos portugueses, franceses, holandeses, etc. tudo acontecendo em tempos diferentes), além do próprio espaço do território nacional que é imenso, como reunir todos estes elementos aparentemente antagônicos na criação de uma identidade nacional? A colaboração que sua produção fotográfica nos legou foi justamente o ter tentado suturar essas barreiras, tornando-as elementos unificadores – o Brasil era unificado em suas particularidades e diferenças, eram justamente elas quem davam ao Brasil a sua cara e sua noção de “brasilidade” – os índios, ainda entendidos como estranhos e selvagens, os negros que logo no fim do Império são declarados livres da escravidão, a presença de diversas etnias europeias no país, fora as diferenças de classes e ocupações, a indústria e o comércio que floresciam, as obras do Império – todos estes elementos combinavam-se no oeuvre fotográfico de Ferrez. 



 













1899 – Amolador. RJ. Instituo Moreira Salles.                                                     






















1888 – Primeira foto brasileira de um grupo                                                                                                                                           
 de mineiros escavando mina de ouro. MG. Instituo Moreira Salles.
















1899 – Vendedora de miudezas. RJ. Instituto Moreira Salles. 


Referências:

Chiarelli, Tadeu. História da Arte/ História da Fotografia no Brasil – Século XIX: Algumas considerações. São Paulo: Editora USP. 2005.

Moraes, Julio Lucchesi. A Trajetória Econômica da Firma Marc Ferrez&Filhos (1904-1921). Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 2010.

Araujo, Viviane da Silva. Marc Ferrez e as imagens da nação: uma investigação acerca da construção da identidade nacional brasileira. São Paulo: Editora UNESP-Franca. 2007.


quarta-feira, 29 de junho de 2016

Através da Arte Compreendi - Sou Conservador

Não se opor ao erro é aprová-lo, não defender a verdade é negá-la.

- São Tomás de Aquino.

Darei início a esse ensaio fazendo alguns recortes de eventos dispares:

Dois destes aconteceram em Maio deste ano. O primeiro se trata de uma artista, Ana Paula Guimarães, que fabricava imagens de ícones pop em estátuas de base de gesso para os santos católicos. Isso significa que, ela pegava a estátua de gesso que estava pronta para ser um Santo Antônio ou uma imagem da Virgem, e as convertia em Malévola, Galinha Pintadinha, Coringa e etc. O trabalho não é mal feito, a proposta está dentro da releitura que muitos artistas contemporâneos fazem de obras que remetem ao passado, mas para os que ainda veem essas imagens com profunda reverência, o trabalho dela perverte (procurem a etimologia da palavra) a finalidade dessas imagens. Isso causou uma reação por parte da Diocese de Goiânia, que pediu a Justiça que proibisse a fabricação e venda das mesmas. A Diocese poderia até ter pedido uma indenização, mas bastou para esta que a comercialização parasse.


A artista alegava que não tinha como intenção ofender a fé de ninguém. O nome da sua loja é Santa Blasfêmia. Engraçada ela, não é? A base da Justiça em determinar a causa a favor da Diocese é que o direito de imagem dessas peças pertence à Igreja Católica, que se sentiu no direito de se manifestar contra. Essa notícia data 31 de Maio.

Em meu facebook, muitas pessoas relacionadas à área da Arte mostraram favor à artista e sua poética, considerando o ato da Justiça uma censura indevida.

Mas, apesar de o que ela fez ser até aparentemente inofensivo em comparação a outras obras artísticas que denigrem mais explicitamente símbolos cristãos, sabe o que é mais engraçado nessa história? Que se ela tivesse feito o mesmo com estátuas de orixás e os povos de terreiro tivessem reagido igualmente pedindo um bloqueio pela Justiça, eles teriam toda razão. Teria sido censura indevida aí também? Verdade é que, como nesse caso se trata de símbolos da fé cristã, ai então beleza, eles podem fazer o que quiserem. Por que o Cristianismo se tornou motivo de chacota dentro da área da Arte Contemporânea.

Melhor teria sido se, já que não existem tantas representações de Maomé, ela tivesse feito estátuas dele e invertidas em ícones pop. Ah sim, mas aí seria islamofobia. E isso não pode, não é?

O segundo caso se trata de um artista cearense, Ari Areia, que em um seminário intitulado ‘Conversas empoderadas e despudoradas sobre gênero sexualidade e subjetividades’ (que título maravilhoso! Estamos todos hoje tão desprovidos de pudor mesmo que reflete a verdade), ficou nu diante de uma plateia, vedou seus genitais e em seguida perfurou seu braço e deixou seu sangue escorrer sobre uma cruz numa cadeira. Atrás do artista e sua poética, um vídeo pornô era exibido.


As pessoas que se manifestaram a favor dessa excelente performance alegaram que o evento aconteceu dentro de um contexto específico, que era o da conferência LGBT, e que serviu de ponta pé paras as discussões que iriam acontecer ali e que quem não gosta desse tipo de coisa, teria tido a opção de não comparecer, de não assistir o evento. Eu não posso opinar sobre qual seria ou deveria ser o papel da Universidade nesse contexto, pois não sei quais são as regras nem a gestão que regem a UFC. Mas fato é que, num espaço público (pois a Universidade é pública), dado número de pessoas se reuniram para dessacralizar o símbolo mais importante da fé cristã. O artista e apoiadores alegam que ali não havia também, assim como no caso da artista Ana Paula, intenção de atacar o Cristianismo. Será?

 O deputado Jean Wyllys, ao demonstrar apoio ao artista Ari, disse que “No Brasil, a intolerância política está atingindo níveis de violência incompatíveis com a democracia”. Eu me pergunto, incompatíveis com a democracia ou com a ideologia pessoal dele? Porque eu imagino que tudo que o cristão gostaria, é que nesse caso, seu símbolo de fé tivesse sido respeitado e não submetido a esse tipo de situação. O mesmo exemplo da artista Ana Paula se aplica aqui. Se isso tivesse sido feito com um ibgá ou estátua de um orixá, as comunidades das religiões de matriz afro se sentiriam igualmente no direito de repudiar uma situação dessas. A verdade é que nenhum símbolo da fé de alguém deveria estar sujeito a passar por um ato como foi o desse artista, no mínimo, irresponsável. Ou o leitor acredita que, se ele tivesse repensado sua performance, e feito diferente, teria ele estado sujeito a receber não só o repudio mas até mesmo ameaças de morte? Ele foi realmente tão ingênuo que achou que ninguém se indignaria com isso? Ele agiu sem ética.


A minha pergunta diante desse tipo de coisa é, se para ser médico, você tem que ter ética; para ser um psicólogo, você precisa ter ética; para ser um político, você deveria ter ética; para se fazer ciência, você também precisa de um comitê de ética. Então se em muitas outras áreas de atuação, a ética é essencial à prática, porque estamos fazendo arte sem ética? Em minha opinião pessoal, o princípio da ética começa por saber se colocar ou imaginar no lugar do outro. É a velha regra áurea do ‘faça aos outros como gostariam que fizessem a ti’.

Piss Christ (Cristo de Mijo), 1987, do artista Andres Serrano é mais um exemplo de desrespeito e ataque a fé cristã presente na arte contemporânea. 


O caso de 2013, do artista Clayton Pettet, foi um em que o artista pesou na balança as duras críticas que estava recebendo em relação à proposta de sua performance de perder sua virgindade anal com um parceiro num espaço reservado para uma plateia de 100 pessoas. Além de ser algo puramente e meramente sensacionalista, não seria arte de fato. As pessoas transam todos os dias em seus lares e outros espaços indevidos e ninguém está chamando isso de arte. Porque só por que ele faria isso na frente de uma plateia seria arte? Clayton mesmo concluiu, “Eles não queriam ver arte, eles queriam me ver fazendo sexo. Se estavam esperando outra coisa, isso diz mais sobre as pessoas do que sobre mim.” Garoto esperto.

Alguns recortes a mais.

Em 2013 participei de um debate sobre grafite e pichação no SESC-Petrolina. O palestrante e o grupo eram de Recife. De início ele começou falando sobre uma pesquisa sua a respeito da cultura de gangue e a diferença entre os grafismos das pichações de cada gangue, como isso servia para não apenas distinguir o pichador como para afirmar status, dependendo de onde o picho havia sido feito. Achei válido e gostei da proposta do estudo dele, afinal é uma análise de um fenômeno social. Mas ai iniciaram-se as divergências. Ele começou a defender que a pichação deveria ser elevada ao status de arte, e que deveria deixar de ser crime. Discordo. Como uma criança que cresceu na capital de São Paulo, eu sei bem o que é crescer num espaço urbano cercado por poluição visual, e eu odiava isso do fundo do meu coração. Jurava pra mim que se um dia fosse prefeito de São Paulo faria algo a respeito. Porque é isso o que a pichação é ou se torna – poluição visual. Havia trechos em São Paulo onde em todos os lugares que seu olhar repousasse, ali estaria coberto de pichações e garranchos que só alguns indivíduos entenderiam e apreciariam. Felizmente não era o caso da vizinhança onde cresci, mas era a realidade da cidade em geral. E querem fazer com que esse terror visual domine o espaço de outras cidades brasileiras mais bem organizadas? Minha indignação maior veio quando o palestrante disse que, se não fosse pela presença de policiamento nas áreas elevadas de Olinda, eles pichariam a cidade histórica todinha. E eu não duvido, a cultura da pichação é uma de profundo desrespeito.


Prédios cobertos por pichação: cenário comum em São Paulo. Imagine se Petrolina ficasse assim?


É uma cultura de poluição visual que começou em espaços marginais e abandonados e agora quer se apropriar (na verdade nas grandes capitais já o fez) da propriedade privada e do patrimônio público. Para a mentalidade do pichador, não interessa se uma pessoa quer ter os muros de sua casa pichada ou não, ele simplesmente vai lá e faz. E se o dono da casa apagar, faz-se de novo. Não há respeito pela propriedade alheia. Nem pelo patrimônio histórico e cultural do país, como no caso da declaração sobre Olinda.

Sobre quais circunstâncias eu acho que a pichação poderia ser considerada arte? Se um pichador fizesse sua arte em um painel de madeira ou tela, e então viesse a fazer um estudo comparativo de sua pichação com outros tipos de caligrafias, por exemplo. Ou no caso da grafitagem (que em muitos casos revitaliza o espaço urbano), onde um dono de um castelo na Escócia convidou artistas a fazerem isso. O problema está no fato de que, quando a pichação se torna excessiva e indesejada em muitos lugares do espaço urbano, ela se torna cancerígena.

Castelo Kellburn, Escócia. 


Bom, com esses casos que relatei acima, não demorei a perceber que estava entrando em choque com a opinião da maioria (pelo menos a maioria do meio artístico atual) e não sabia exatamente o que minha oposição significava diante desses e tantos outros casos a mais. Foi apenas quando decidi procurar por um vídeo do filósofo Roger Scruton no youtube que encontrei uma entrevista dele concedida a um entrevistador brasileiro sobre o lançamento de seu livro Como Ser Conservador. Apesar dos vários preconceitos que termos como direita e conservadorismo possam evocar na mente do leitor, sugiro que vejam como é flexível e sensata a posição dele sobre diversos assuntos abordados durante a conversa. Nela, Scruton define três traços do que ele acredita ser o significado de ser conservador:

- Respeito pela herança social (respeito pelo que recebemos de nossos ancestrais, pelos que vieram antes de nós).

- Respeito pela lei, religião e propriedade (essas são as formas básicas pelas quais as pessoas se conectam ao mundo). Afinal, quem poderia viver são e bem numa cultura de caos e feiura?

- Estar aberto à oposição. Ter o desejo de resolver as questões através de negociações, discussões, até se chegar a um acordo.

Nunca havia parado para explorar o que é direita e esquerda (apesar que agora isso é tudo que tem ocupado meu tempo ultimamente), conservadorismo, individualismo e coletivismo significavam no pensamento político e filosófico, mas, ouvindo o Scruton falar, naturalmente me identifiquei com seus posicionamentos na entrevista. E no que diz respeito ao meu gosto pela arte e pelo que acredito que ela seja, sou no mínimo um pouco conservador em minhas opiniões. E creio que as manterei assim.  Tenho profundo respeito pela ordem, pela organização, pela estrutura social na qual nasci, pelas figuras de autoridade que me cercavam (e em muitos casos nunca as considerei minhas opressoras) e pela religião e os valores que dela herdei, o Cristianismo. Não é a toa que quando morei nos Estados Unidos, uma das primeiras coisas que mais apreciei foi a forma organizada como tudo é construído, como nos centros residenciais eles dão espaço amplo para arborização e pela ausência de pichação nas cidades. Por mais que o mundo não seja perfeito, nunca senti a necessidade de expressar isso destruindo e poluindo o que não é meu. Aprecio a história tanto do meu país e o pouco que se preservou da arquitetura do Brasil barroco colonial quanto da minha família, motivo que me levou em 2008 a querer estudar sobre a genealogia de meus antepassados. As raízes que herdamos são os pilares sobre o qual construímos o senso de quem somos, e por isso, é preciso se ter muito respeito tanto pelo seu próprio bem quanto o dos outros. E isso me parece ser exatamente o que respeitar a lei, a propriedade e a religião significam.

Liberdade em excesso deixa o ser humano sem um Norte. Por isso sou a favor de algumas barreiras e algumas restrições, e a ética é uma ótima ferramenta para refletirmos sobre nossas ações e quais as consequências e restrições que poderíamos colocar nelas. Os extremos podem vim de ambos os lados, por isso a liberdade de expressão não pode vir a qualquer custo.

Referências:

Artista que prometeu perder virgindade em performance decepciona plateia:

Artistas criticam britânico que perderá a virgindade em performance:

Justiça proíbe artista brasiliense de comercializar estátuas de santos pop:

Jean Wyllys manifesta apoio à artista cearense:

Ator joga próprio sangue em protesto pró-LGBT:




segunda-feira, 11 de abril de 2016

Descasos e Descumprimentos: Falas que retratam uma realidade comum no cenário da Arte/Educação.

O ensino de Artes é garantido pela Lei de Base e Diretrizes de 1996, ainda sim mesmo depois de vinte anos da existência desta lei, os processos de mudança no cenário da Arte/Educação nas escolas brasileiras ainda são lentos. Desde 2014 venho escutando os ruídos pelas aulas de que precisamos nos unir e juntar para exigirmos a abertura de vagas nos concursos públicos para professores de Artes. Este ano com algumas turbulências que tivemos no cenário da educação este tema voltou mais forte ainda em nossas discussões. Práticas antigas e ilegais se perpetuam nas escolas da região, além de haver uma falta em abertura de concursos para professores na área de Artes Visuais. Nesta Sexta-Feira (8) e Sábado (9) tive a oportunidade de conversa com três pessoas que foram fundamentais para entender do ponto de vista quem está passando atualmente por esses problemas. 


A primeira pessoa com quem tive a oportunidade de entrevistar foi a recém formada discente de Artes Visuais Laise Gomes: 

Eu fiz ano passado, em 2015 um concurso para professor temporário. O concurso é válido por dois anos. Quer dizer, você é contratado e fica dois anos e pode ser prorrogado por mais dois seu contrato como professor do estado da Bahia. E eles começaram a convocar ano passado e...

Quer dizer que ano passado o REDA-BA  (Regime Especial de Direito Admnistrativo) lançou edital especificando que abria vaga para Artes Visuais?

Aqui em Juazeiro e em vários lugares da Bahia. E aqui pra Juazeiro especificamente...

As escolas são municipais, estaduais?

Estaduais. Abriram seis vagas aqui pra Juazeiro, e quando saiu a homologação do resultado depois que terminou o concurso e teve o desempate, foram classificados dezesseis profissionais de arte.

Pras seis vagas?

Para as seis vagas, só que eles já chamaram o décimo na lista. Esses dezesseis professores de arte que passaram são formados e estão se formando aqui na UNIVASF de Juazeiro em licenciatura em Artes Visuais, ou seja, eles estão de acordo com o que o edital solicita. Tem que ter formação em Artes Visuais, ou Dança, ou Música, ou Teatro, mas pra dar aula de Artes tem que ser formado em Artes. Porém, quando nossos colegas foram convocados a comparecer e se empossar da vaga, a DIREC, atual NRE10 (Núcleo Regional de Ensino), que antes se chamava DIREC...

O que é isso?

É a secretaria daqui de Juazeiro, de educação. Ela envia para a escola, porque se o edital diz, tem seis vagas, mas há dez cadastros de reservas é porque têm vaga para ser ocupada. Então, quando chega a escola, o profissional em Artes, que vai ocupar a vaga, é recebido de maneira inadequada...

Você pessoalmente foi recebida de maneira inadequada em alguma escola?

Ainda não, mas os outros colegas meus que foram convocados sim. Eu fui convocada ontem, não sei se vou chegar a ir. Mas os outros que foram, chegaram a escola e o diretor simplesmente diz, “Olha, aqui não tem vagas de Artes, a vaga tá ocupada por um professor pedagogo, de matemática, de ciências, e não tem vaga então você espere.” E quando chega na DIREC, que hoje é NRE10, simplesmente a cidadã responsável por lá já chegou a falar para um colega meu que tem duas testemunhas que também ouviram isso que quem passa no REDA não é ninguém. 

Um(a) funcionário(a) desse órgão disse isso?

Disse. Então é uma falta de respeito por parte da NR10. Existe todo um investimento de pagar uma inscrição, de estudar e fazer uma prova, de pagar mais de seiscentos reais em exame para entregar no dia a convocação para se empossar da vaga, e a pessoa é recebida dessa maneira na escola e na NRE10. Então se existe a vaga, o diretor tem que tirar a pessoa que não é formada em Artes Visuais, e colocar a pessoa que é. 

Você também diz que esses mesmos diretores queriam colocar os professores de Artes que passaram para dar aula em outras disciplinas? 

Isso, apenas alguns foram direcionados pra Artes. Muitos queriam colocar para dar aulas de Filosofia, História, Educação Física. Alguns desses estão atualmente assumindo essas disciplinas ou outras, mas não Artes. Então é isso, existe a vaga, mas a amiga do diretor, a cunhada do diretor, que é formada em outra área que não seja Artes Visuais está lá ocupando a vaga dando aula de qualquer forma, existe uma lei que obriga dar aula de Artes e eles não estão cumprindo. A denúncia vai ser feita no Ministério Público, fora outras providências. 

Então vocês que passaram no concurso da REDA estão pensando em se unir para fazer uma denúncia no MP?

Isso, a gente com certeza vai entrar com uma denúncia. O primeiro erro do estado da Bahia foi não abrir o concurso público para vagas para professores efetivos do estado. Porque precisamos de professores efetivos no estado todo da Bahia. Então o primeiro erro do nosso governador foi abrir concurso pra professores temporários. Isso é ridículo, é uma falta de respeito com todos os professores, independente da área. Já é o segundo REDA que tem. Então isso é ridículo, isso não pode acontecer. Tem que abrir concurso para efetivos. O estado de Pernambuco também vai ser notificado. A gente vai enviar outra denúncia, já enviamos várias denúncias para o Ministério Público referente ao edital que ainda está aberto...

Você está se referindo ao edital deste ano da Secretária de Educação?

Isso. Eles não abriram vagas nem para Artes, nem para História, nem para Filosofia. 

E nós sabemos que temos uma carência de professores efetivos aqui em nosso curso. Alguns já estão afastados fazendo seus doutorados, outros estão prestes a sair ou se afastar daqui também, enquanto outros que estão aqui por contrato assumindo temporariamente vagas que não sabemos se vai ficar com eles ou não. 

Isso mesmo. 

Certo. Muito obrigado. 

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Logo após a reunião de colegiado, tive a oportunidade de conversar com a professora doutora Flávia Pedrosa Vasconcelos sobre esse mesmo assunto: 


Em 2010, no meu mestrado, eu fiz uma entrevista com boa parte dos professores da rede municipal e estadual que lecionavam Artes das duas cidades, de Juazeiro da Bahia e Petrolina. E falei com coordenadores de todas as escolas. O que acontece é o seguinte: os professores que são da área de Letras, História, geralmente dessas duas matérias e Geografia, às vezes até Matemática, dão aula de Artes para complementar carga horária. E é assim que os diretores fazem para não terem o trabalho de colocar o mesmo professor em duas escolas. Então, aquele professor que está dando aula de História, tá faltando duas horas por semana na carga horária dele. Aí, ao invés dele ir para outra escola, o diretor para não ter esse trabalho, coloca esse professor para dar aula de Artes. Porque Artes virou disciplina complementar. Mesmo o diretor, o coordenador e o professor sabendo que isso é errado, isso acontece aqui na região. E aí, quando teve o concurso de Juazeiro, que se não me engano foi em 2012, foi concurso para professor efetivo, eu fui ter uma conversa (por não ter aberto vagas para Artes) com os representantes da administração municipal. E eles me responderam que esse curso era um Bacharelado, e eu disse, “Não, esse curso é uma Licenciatura.” Aí eles me disseram que os pedagogos dariam as aulas de Artes, e que isso era normal aqui na região. 

E você chegou a alegar a Lei de Bases e Diretrizes que garantem o ensino de Artes e com professores formados na área?

Eles conhecem a LDB, mas o que acontece é que essa é uma prática muito antiga aqui de colocar o pedagogo ou o licenciado em Letras para dar aula de Artes. Então vamos dar um exemplo, o formador de Artes daqui da Prefeitura de Juazeiro era o Parlim, que era o único licenciado e habilitado em educação artística (e que por ventura, faleceu este ano). Tinha um outro professor também que eu entrevistei ele e é formado em Artes Plásticas, bacharel. E no estado da Bahia tinha só uma professora que era licenciada em Dança. E fora isso não existia mais ninguém. Quem é que fazia as formações do estado? Em Juazeiro, era uma pessoa de fora, que não era da área de Artes. E quem faz na GRE (Gerência Regional de Educação)? Também pessoas de fora, e quem é responsável pela formação de Artes da GRE de Petrolina são pessoas da área de Letras. E eles não tiram essas pessoas do lugar. Há muita politicagem, muita amizade, há muito assim, “Ah, é meu amigo, ele vai lá dar aula de Artes pra passar um tempo, vou tirar ele de sala de aula, ele vai ser formador de Artes.” Tem isso também. 

Por parte da direção da escola?

Por parte da Secretaria de Educação como um todo. Tanto no município quanto no estado. O que é visto aqui na região mesmo é que Artes é complemento de carga horária. E ai tem muito isso, tanto é que teve um depoimento agora no Estágio II de um estudante que estava num colégio de Juazeiro. A professora que está lá dando aula de Artes é formada em História. Ela disse que odeia Artes, que sabe que está errada, a diretora diz que sabe que é errado uma professora de História dar aula de Artes, e que inclusive teve alunos daqui que passaram no REDA da Bahia, que foi a seleção temporária, e foram lá procurar vaga, inclusive foi esse aluno que estava pagando Estágio, e a diretora disse que quem estava dando aula de Artes era a professora de História. E as duas sabendo que isso é errado. Então, era para ele estar lá dando essa aula. 

O que você acha que pode ser feito para mudar esse quadro?

No CONFAEB de 2011, estava Vera Rocha que é professora da Federal do Rio Grande do Norte, que é antiga tanto quanto Ana Mae, e estava se discutindo isso no CONFAEB de São Luís. E foi colocado o seguinte: que há trinta anos, eles vêm batalhando por essa mudança e essa mudança não ocorre. E que essa batalha dependia não só dos já formados, dos licenciados em Artes procurarem esses campos e batalharem, mas daqueles professores das universidades de fazerem mesmo uma ação política. Não é só ficar em sala de aula, mas agir mesmo, ir falar com essas pessoas como eu fiz. Inclusive estou queimada aqui. As pessoas já não me recebem mais, e poucos são os que ainda falam comigo. Os políticos da região já conhecem minha luta. 

Quando cheguei aqui em 2010 foi criado Associação de Arte/Educadores da Bahia, aqui em Juazeiro no primeiro SUA (Semana Universitária de Artes), veio Lúcia Pimentel de Minas Gerais, veio o Carlos Cartaxo, que era da UFPB e também era da Associação de lá, veio a Adriana Aquino que era presidente da Associação de Recife da estadual. E a gente se organizou aqui com Ricardo Biriba que veio lá de Salvador, e a gente fez um histórico com a tentativa de criar uma Associação na Bahia. Foi criada aqui em Juazeiro que funcionou até um ano atrás, a extinta AAEBA. O site ainda existe, mas não há postagens. 

E foi feito ano passado uma reunião, e foi criada uma associação com sede em Salvador, com outro nome: Associação Baiana de Arte-Educadores. 

Isso era para fortalecer...

Para estar ligado à FAEB (Federação de Arte/Educadores do Brasil), para que fosse uma ação política mesmo. E eles conseguiram um projeto de lei para que Artes fosse obrigatória no estado e ter professores formados na área. Foi pedido também que duas horas, a cada turma, independente do nível – Fundamental I, II, Médio, etc. – seja de Artes. Porque geralmente eles só têm uma hora. Portanto vai ser preciso mais professores de Artes. E está para abrir o concurso para efetivos do estado da Bahia, e ele não abriu ainda por causa disso. O Secretário de Educação não está querendo assinar, e semana que vem vou saber quando estiver em Salvador do pessoal da Associação se conseguiram que passassem esse projeto de lei. Porque com ele, nós podemos usá-lo para denunciar quando não abrir concurso para a área. 

Já em Pernambuco, o pessoal da Associação já vez várias manifestações sobre concursos, e eles são muito mais ligados a FAEB porque a diretoria da FAEB tem pessoas que são professores da UFPE. E a questão é isso, não ficar parado só na teoria, só na fala, e ação. 

 Sinceramente, desde que entrei para o curso não pensei que haveria um problema tão grande como desses. Pensei que se na região havia sido criado esse curso para atender essa demanda, que haveria oportunidades. 

Para você ter uma ideia, no meu estado do Ceará, eu tentei criar lá uma Associação de Arte-Educadores. Nas universidades, os docentes brigam entre si. Ela foi criada e depois extinta em menos de um ano. Por quê? A URCA do Cariri não conseguiu aceitar que outras Universidades de Fortaleza fizeram e não quis se juntar com o grupo. Então não podia se criar uma Associação para representar o estado. Eles não se juntaram. 

O que acontece é o seguinte: no estado do Ceará, acontece uma coisa muito pior que aqui, porque o curso lá é muito mais antigo que foi o que eu fiz, e até hoje pedagogo entra para dar aula de Artes. Mesmo com toda a luta. Então assim, para o governo é mais barato pegar alguém que dá aula de todas as disciplinas e ele ainda vai dar aula de Artes. Para não contratar mais uma pessoa. 

São práticas difíceis de mudar. 

São práticas antigas e a FAEB está lutando desde os anos oitenta. Alguns concursos abriram, eu vou citar aqui no estado da Bahia, em Juazeiro, por causa de muita briga abriu uma vaga em 2011 – foi o último concurso do estado da Bahia. Só que o que aconteceu: meu marido passou, ficou em primeiro lugar, entregou toda a documentação, com formação plena na área de Artes Visuais. Era a única vaga e meu marido passou e tem toda a formação, mesmo ano ele também passou no concurso do Colégio da Policia Militar de Petrolina, é efetivo, e lá aceitaram toda documentação dele. Ele tomou posse lá e aqui ele não tomou. Isso porque depois conversando com o representante da Secretaria de Educação disse que tinha outra pessoa que ele queria que entrasse no cargo. Mas ele tinha sido primeiro e só tinha uma vaga, e eles chamaram até o décimo colocado. E o que passou em segundo lugar era licenciando que não tinha diploma daqui, o em terceiro e quarto também. E ai entrou alguém que interessava a  administração. 

Então meu marido passou, e eles foram chamando outros colocados. Tem muita politicagem, que não é pelo mérito, mas porque a pessoa conhece. Uma pessoa que tem toda a formação na área e tem especialização, e não conseguir entrar e conseguir em Pernambuco...

Para mim, teria que ser feito aqui no curso como um todo, dos professores terem a consciência primeiro de entrar nas discussões da FAEB. A gente aqui não está formando artistas, estamos formando arte/educadores. O arte/educador pode ser artista? Pode: professor, artista e pesquisador, ele pode ser as três coisas. O problema é que quando a gente tem um discurso de que forma só artista a gente se preocupa só com o processo de criação e não com a política envolvida nesses processos de criação e ensino, porque fazer Arte é ensinar Arte. E ai por conta disso, se tivéssemos um grupo de quinze docentes, agora vamos ter mais um, então dezesseis. Se todos esses dezesseis docentes se filiassem à FAEB, se todos parassem de brigar pelo espaço do curso, e fossemos mais unidos ao pessoal de Música que estão lá IF-Sertão, porque está na área de Artes e fazermos mesmo uma ação forte, porque quanto maior a pressão os órgãos vão ter que responder. 

Está na hora não só de cartas de repúdio, mas por exemplo, de irmos para Câmara dos Vereadores e falar sobre Arte, porque é importante a Arte/Educação, pedir uma pauta para a discussão dessas questões. Qualquer um, estudante ou representante pode chegar lá e pedir isso, dizer que é importante, que a população precisa discutir isso. 

Vamos pensar nisso e amadurecer essa ideia. 

Precisamos ir lá porque é onde as coisas acontecem, é uma pressão para o prefeito. 

. . . 

No Sábado (2), tive a oportunidade de conversar com Ana Emidia Rocha, professora de Artes Visuais em Petrolina e Juazeiro. A fala dela não são das mesmas reclamações que ouvi de Laise e Flavia, mas achei interessante inseri-la aqui por que, enquanto temos este problema em abrir vagas e alocar devidamente os professores de Artes para a área de Artes, os que já se encontram dando aula em sua devida disciplina nos dão o testemunho do que um país com baixa qualidade em Arte/Educação e alfabetização visual tem a perder com essa lacuna na formação dos nossos jovens.


Você dizia que a dificuldade do seus alunos era em...

Eles não sabem direito o que é Arte. Além disso, eles têm uma dificuldade de compreender o que é o suporte, o que é uma técnica, o que é o conteúdo, e o que é um registro. Então para eles, a tela, a pintura, a imagem, e uma fotografia, tudo é um quadro. Não conseguem diferenciar o que é uma coisa da outra. Isso ai pra mim é o principal. 

Eles não conseguem compreender a imagem, não conseguem fazer uma leitura de imagem. Como é que eles vão ao SESC, por exemplo, ver uma exposição conceitual? Eles não vão gostar.

Você disse que em uma das escolas pediram para os professores fazer o que mesmo? 

Pediram para nós professores fazermos um diagnóstico. Foram três semanas de diagnóstico para a gente identificar quais eram as dificuldades, quais eram as possibilidades  dos alunos. E no primeiro dia de aula eu já percebi que a dificuldade deles, primeiro que eles não conhecem a linguagem visual e tinham um medo de desenhar, por não saber. Então eu trabalhei com eles só desenho de observação por três semanas. 

Qual foi a reação deles quando você começou a ensinar Artes lá na escola de Juazeiro? 

Reagiram mal, porque eles estavam acostumados com a professora entrar na sala, passar um vídeo, ou copiar um texto no quadro, e mandar fazerem uma pesquisa na internet. E quando eles chegavam lá, iam no Wikipedia, imprimiam alguma coisa e entregavam. E quando eu cheguei, comecei a discutir algum conteúdo com eles.

Quer dizer que a antiga professora deles de Artes não trabalhava produção artística com eles? 

Olha, a professora mesmo da escola não posso nem dizer por que quando cheguei ela já estava afastada para se aposentar e havia um substituto no lugar. Esse substituto ficou lá mais ou menos um mês. Então antes de mim foi essa substituta que estava lá, temporariamente. Então eu não sei lhe dizer como que era o trabalho dela. 

Quando comecei a trabalhar com eles houve um pouco de resistência, eles alegavam que a gente conversava demais nas aulas. Por exemplo, se eu levasse uma imagem, como levei na primeira aula um vídeo para fazermos uma leitura. Ai eles ficam assim, primeira coisa, se você não escrever na lousa não é atividade. Atividade pra eles tem que ser escrita, para eles botarem no caderno e ganharem um visto. Se não for assim, eles acham que não estão fazendo nada. Eu levava uma imagem para discutirmos o que eles viam, o que compreendiam, que relações eles podiam fazer da imagem com a vida deles, algo assim. Achavam que eu estava enrolando. Diziam assim, “Professora, a senhora vai começar a aula quando?” É sério. Eles não estão acostumados a uma aula crítica, de leitura, de reflexão. 

Quando eu levo um texto, teve um problema ano passado na escola de falta de papel. Às vezes quando eu tinha dinheiro para tirar xerox e levar, eu levava. E às vezes quando não tinha, eu tentava projetar o texto para lermos no projetor, sendo que a escola só tem um desses para todos os professores. Então às vezes eu não conseguia o projetor. Às tinha que colocar o texto no quadro, ai eles perguntavam, “Isso é aula de Português? Eu nunca vi aula de Artes com texto. Aula de Artes é pra gente fazer desenho de imaginação.” Ai você pensa, alguém que não tem nem a imaginação bem trabalhada para ler uma imagem, quer fazer desenho de criação própria. Ai quando você trabalha o desenho de imaginação com eles, todos os desenhos saem iguais – uma casa, aquelas que crianças de seis anos fazem, uma árvore e um sol. Só. 

E nós estamos falando de alunos de que idade?

De onze até dezesseis anos. 

Se formos pegar os estudos da Betty Edwards sobre a evolução do desenho na criança e no adolescente, pelo que você está me falando eles ainda estão presos ao estágio de símbolos rudimentares para fazer suas representações ao nível de idade dos quatro a seis anos. 

Exatamente. Mas isso porque na verdade eles nunca tiveram uma aula de Artes de verdade. A professora que eles tinham era formada em Letras. Ela estava ali cumprindo uma carga horária. Porque a escola não tinha professor de Artes, então alguém tinha que pegar essas aulas. E ai quem pega não tem formação, não sabe o que fazer. 

Há quanto tempo você está com essa turma?

Há uns seis meses, porque comecei a trabalhar em Outubro. 

E o que você notou de diferença na percepção deles de Outubro até cá?

Olha, os que foram meus alunos ano passado eu consegui perceber uma grande mudança. Por exemplo, do desenho que estávamos falando. Eles não se sentiam nem no direito de fazer um desenho, porque eles não sabiam. Isso a turma da sétima série. Tinham dois meninos que desenhavam bem, então sempre que eu pedia a turma para desenhar algo eles diziam que não sabiam, e portanto, tinham resistência ao desenharem.  Ai como fiquei trabalhando com eles por três meses desenho de observação, isso acabou um pouco. Por exemplo, esse ano eu pedi para eles que desenhassem o calor. E apesar das dificuldades de entender o que é o calor e como representar esse calor, todo mundo fez o seu desenho. Se isso fosse ano passado eles nem teriam feito o trabalho. 

E o que eles retrataram?

Ah, isso foi muito engraçado. Guardei esse material, pois vou querer escrever sobre isso. E os resultados foram muito interessantes porque ano passado trabalhamos mais o desenho de observação, e ai esse ano comecei a trabalhar com eles o abstracionismo. Mostrei algumas telas do Kandinsky para eles, e ai pensei em algo que ocupasse um lugar predominante em nossa vida e pensei no calor. Pedi a eles que desenhassem isso. Então tinha que ser um desenho abstrato. O calor não é uma figura. É uma sensação, então como é que poderíamos retratar essa sensação? Que linhas, que formas, que cores? Mas mesmo assim, teve uma aluna que desenhou uma panela. 

Ainda da para entender a associação que ela fez entre panela e calor... 

Sim, justamente. Mas quando, por exemplo, perguntei a ela, “O que você desenhou?” Ela disse, “Uma panela.” “Mas eu não pedi para desenhar o calor? Você fez uma panela.” Ai você escuta, “Professora, mas como faz o calor?” Mas veja, se essa mesma atividade tivesse sido feita ano passado, ela teria me dito, “Não sei desenhar.” Ia ser a primeira resposta porque foi o que ouvi dela ano passado inteirinho. Já esse ano ela tentou e fez a panela. A maioria conseguiu fazer de primeira. A maioria fez um círculo com linhas saindo deste para fora...
Tipo como se fosse uma representação do Sol ainda...

Sim, mas desenhos variados. Mas a maioria fez isso e as cores, eles conseguiram fazer a associação das cores, então usaram muito laranja, muito vermelho, amarelo, etc. Eles conseguiram fazer a relação dessas cores quentes com o calor. A maioria fez, mas teve alguns que não conseguiam compreender o que é um desenho abstrato. Quando foi na hora de apresentar os trabalhos, o primeiro que foi pra frente da sala, segurou o desenho e ficou olhando pra mim. E eu pedi para ele, “Vamos, nos diga o que você fez”. 

Sabemos que muitos alunos têm esse problema de falar, de se expressar em frente dos outros. 

É. Então eu disse, “Fale para turma o que você desenhou.” E ele disse, “Ah professora, desenhei uns riscos...” falou das coisas que usou. E eu questionei novamente, “Certo, mas que desenho é esse?” “Ah professora, eu não sei dizer.” Ai eu questionei, “Mas não foi você quem fez?” “Foi.” “E o que foi que você desenhou?” “O que você pediu.” “E o que eu pedi?” “A senhora pediu pra desenharmos o calor”. 

Então assim, eu vejo que ano passado eles tinham muitos problemas em conseguir verbalizar o que desenhavam. Já este ano eles conseguem explicar porque usaram determinadas cores, porque escolheram fazer de certa maneira, ocupar o espaço do papel de tal forma, eles já conseguem fazer isso. Mas são alunos da oitava série. Já são grandes. Os da sexta série que foram meus alunos ano passado, e que comecei a fazer um trabalho similar com eles, estes ainda não conseguem fazer isso. Ainda apresentam uma dificuldade em dizer o que é aquilo que eles mesmos estão fazendo. Mas meu melhor resultado até agora foi com eles, com essa experiência do calor. 

E essa atividade foi na mesma semana que eu trabalhei com meus alunos de Petrolina a pintura do René Magritte, C’est ne pas une pipe (Isso não é um cachimbo). Foi a coisa mais engraçada e interessante da semana, eu pedi que eles observassem a imagem, embaixo tinha a tradução da frase, e pedi que eles respondessem o que o artista quis dizer com aquilo. Eu ri tanto porque eles começaram a dizer, “Ah professora, eu acho que esse homem é doido.” Ai outro aluno dizia, “Professora, ele está fazendo uma pegadinha com a gente.” E eu questionei, “Porque você acha que ele está fazendo isso?” “Porque ele fez um cachimbo e depois ele escreveu embaixo que não era um cachimbo.” Eles estavam pensando que o artista queria que eles pensassem que aquilo era outra coisa. Ficavam olhando para imagem tentando adivinhar o que seria. 

Daí perguntei, “Mas sim gente, isso aqui é o que?” “É um cachimbo,” eles me disseram. “E o cachimbo serve para quê?” “Para fumar”. “Então se você fosse fumante, como usaria esse cachimbo?” Ai eles me explicaram. Em seguida eu disse, “Tá, então se isso é um cachimbo pega ele ai e bota na boca.” Aí eles ficaram surpresos com essa resposta. “Mas não dá professora.” E eu disse, “E porque não? Porque é um desenho, uma representação.” Ai eles entenderam. 

Ana, muito obrigado pela sua contribuição. 

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Hoje, Segunda-Feira (11), dando continuação à ideia que surgiu em minha entrevista com a Prof. Flavia, fui a Câmara Municipal de Petrolina para buscar informações sobre como solicitar uma parte na pauta da reunião dos vereadores. A funcionária que me atendeu disse que um ofício feito pelo colegiado do curso deveria ser feito, já que embora qualquer um possa pedir pauta na audiência, é preciso estar representado por alguma instituição. O recado foi encaminhado à coordenadora do curso e os devidos esforços para reunir interessados na participação da reunião da Câmara já estão sendo feito. Eu espero que este mês já consigamos enviar o ofício e receber uma resposta do órgão quanto uma data marcada para reivindicarmos nossos direitos. 

Referências da Internet: 

Edital do REDA-BA 2015: 

http://jcconcursos.uol.com.br/arquivos/pdf/BA_Secretaria_da_Educacao_ed_1802.pdf

Site da AEBA: 

http://www.aebahia.blogspot.com.br/