Não
se opor ao erro é aprová-lo, não defender a verdade é negá-la.
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São
Tomás de Aquino.
Darei início a esse ensaio fazendo alguns recortes
de eventos dispares:
Dois destes aconteceram
em Maio deste ano. O primeiro se trata de uma artista, Ana Paula Guimarães, que
fabricava imagens de ícones pop em estátuas de base de gesso para os santos
católicos. Isso significa que, ela pegava a estátua de gesso que estava pronta
para ser um Santo Antônio ou uma
imagem da Virgem, e as convertia em Malévola, Galinha Pintadinha, Coringa e
etc. O trabalho não é mal feito, a proposta está dentro da releitura que muitos
artistas contemporâneos fazem de obras que remetem ao passado, mas para os que
ainda veem essas imagens com profunda reverência, o trabalho dela perverte (procurem a etimologia da
palavra) a finalidade dessas imagens. Isso causou uma reação por parte da Diocese
de Goiânia, que pediu a Justiça que proibisse a fabricação e venda das mesmas. A
Diocese poderia até ter pedido uma indenização, mas bastou para esta que a
comercialização parasse.
A artista alegava que não tinha como intenção ofender a fé de ninguém. O nome da sua loja é Santa Blasfêmia. Engraçada ela, não é? A base da Justiça em determinar a causa a favor da Diocese é que o direito de imagem dessas peças pertence à Igreja Católica, que se sentiu no direito de se manifestar contra. Essa notícia data 31 de Maio.
Em meu facebook, muitas
pessoas relacionadas à área da Arte mostraram favor à artista e sua poética, considerando o ato da Justiça
uma censura indevida.
Mas, apesar de o que
ela fez ser até aparentemente inofensivo em comparação a outras obras
artísticas que denigrem mais explicitamente símbolos cristãos, sabe o que é
mais engraçado nessa história? Que se ela tivesse feito o mesmo com estátuas de
orixás e os povos de terreiro tivessem reagido igualmente pedindo um bloqueio
pela Justiça, eles teriam toda razão. Teria sido censura indevida aí também?
Verdade é que, como nesse caso se trata de símbolos da fé cristã, ai então
beleza, eles podem fazer o que quiserem. Por que o Cristianismo se tornou
motivo de chacota dentro da área da Arte Contemporânea.
Melhor teria sido se,
já que não existem tantas representações de Maomé, ela tivesse feito estátuas
dele e invertidas em ícones pop. Ah sim, mas aí seria islamofobia. E isso não
pode, não é?
O segundo caso se trata
de um artista cearense, Ari Areia, que em um seminário intitulado ‘Conversas
empoderadas e despudoradas sobre gênero sexualidade e subjetividades’ (que
título maravilhoso! Estamos todos hoje tão desprovidos de pudor mesmo que
reflete a verdade), ficou nu diante de uma plateia, vedou seus genitais e em
seguida perfurou seu braço e deixou seu sangue escorrer sobre uma cruz numa cadeira.
Atrás do artista e sua poética, um vídeo pornô era exibido.
As pessoas que se
manifestaram a favor dessa excelente performance alegaram que o evento
aconteceu dentro de um contexto específico, que era o da conferência LGBT, e
que serviu de ponta pé paras as discussões que iriam acontecer ali e que quem
não gosta desse tipo de coisa, teria tido a opção de não comparecer, de não assistir
o evento. Eu não posso opinar sobre qual seria ou deveria ser o papel da
Universidade nesse contexto, pois não sei quais são as regras nem a gestão que
regem a UFC. Mas fato é que, num espaço público (pois a Universidade é
pública), dado número de pessoas se reuniram para dessacralizar o símbolo mais
importante da fé cristã. O artista e apoiadores alegam que ali não havia
também, assim como no caso da artista Ana Paula, intenção de atacar o
Cristianismo. Será?
O deputado Jean Wyllys, ao demonstrar apoio ao
artista Ari, disse que “No Brasil, a
intolerância política está atingindo níveis de violência incompatíveis com a
democracia”. Eu me pergunto, incompatíveis com a democracia ou com a ideologia pessoal dele? Porque eu
imagino que tudo que o cristão gostaria, é que nesse caso, seu símbolo de fé
tivesse sido respeitado e não submetido a esse tipo de situação. O mesmo
exemplo da artista Ana Paula se aplica aqui. Se isso tivesse sido feito com um
ibgá ou estátua de um orixá, as comunidades das religiões de matriz afro se
sentiriam igualmente no direito de repudiar uma situação dessas. A verdade é
que nenhum símbolo da fé de alguém deveria estar sujeito a passar por um ato como
foi o desse artista, no mínimo, irresponsável. Ou o leitor acredita que, se ele
tivesse repensado sua performance, e feito diferente, teria ele estado sujeito
a receber não só o repudio mas até mesmo ameaças de morte? Ele foi realmente
tão ingênuo que achou que ninguém se indignaria com isso? Ele agiu sem ética.
A minha pergunta diante
desse tipo de coisa é, se para ser médico, você tem que ter ética; para ser
um psicólogo, você precisa ter ética; para ser um político, você deveria ter ética; para se fazer
ciência, você também precisa de um comitê de ética. Então se em muitas outras
áreas de atuação, a ética é essencial à prática, porque estamos fazendo arte
sem ética? Em minha opinião pessoal, o princípio da ética começa por saber se
colocar ou imaginar no lugar do outro. É a velha regra áurea do ‘faça aos
outros como gostariam que fizessem a ti’.
Piss Christ (Cristo de Mijo), 1987, do artista Andres Serrano é mais um exemplo de desrespeito e ataque a fé cristã presente na arte contemporânea.
O caso de 2013, do
artista Clayton Pettet, foi um em que o artista pesou na balança as duras
críticas que estava recebendo em relação à proposta de sua performance de
perder sua virgindade anal com um parceiro num espaço reservado para uma
plateia de 100 pessoas. Além de ser algo puramente e meramente sensacionalista,
não seria arte de fato. As pessoas transam todos os dias em seus lares e outros
espaços indevidos e ninguém está chamando isso de arte. Porque só por que ele
faria isso na frente de uma plateia seria arte? Clayton mesmo concluiu, “Eles
não queriam ver arte, eles queriam me ver fazendo sexo. Se estavam esperando
outra coisa, isso diz mais sobre as pessoas do que sobre mim.” Garoto esperto.
Alguns recortes a mais.
É uma cultura de
poluição visual que começou em espaços marginais e abandonados e agora quer se
apropriar (na verdade nas grandes capitais já o fez) da propriedade privada e
do patrimônio público. Para a mentalidade do pichador, não interessa se uma
pessoa quer ter os muros de sua casa pichada ou não, ele simplesmente vai lá e
faz. E se o dono da casa apagar, faz-se de novo. Não há respeito pela
propriedade alheia. Nem pelo patrimônio histórico e cultural do país, como no
caso da declaração sobre Olinda.
Sobre quais
circunstâncias eu acho que a pichação poderia ser considerada arte? Se um
pichador fizesse sua arte em um painel de madeira ou tela, e então viesse a
fazer um estudo comparativo de sua pichação com outros tipos de caligrafias,
por exemplo. Ou no caso da grafitagem (que em muitos casos revitaliza o espaço
urbano), onde um dono de um castelo na Escócia convidou artistas a fazerem isso. O problema está no fato de que,
quando a pichação se torna excessiva e indesejada em muitos lugares do espaço
urbano, ela se torna cancerígena.
Castelo Kellburn, Escócia.
Bom, com esses casos
que relatei acima, não demorei a perceber que estava entrando em choque com a
opinião da maioria (pelo menos a maioria do meio artístico atual) e não sabia
exatamente o que minha oposição significava diante desses e tantos outros casos
a mais. Foi apenas quando decidi procurar por um vídeo do filósofo Roger
Scruton no youtube que encontrei uma
entrevista dele concedida a um entrevistador brasileiro sobre o lançamento de
seu livro Como Ser Conservador. Apesar
dos vários preconceitos que termos como direita
e conservadorismo possam evocar
na mente do leitor, sugiro que vejam como é flexível e sensata a posição dele
sobre diversos assuntos abordados durante a conversa. Nela, Scruton define três
traços do que ele acredita ser o significado de ser conservador:
- Respeito pela herança
social (respeito pelo que recebemos de nossos ancestrais, pelos que vieram
antes de nós).
- Respeito pela lei,
religião e propriedade (essas são as formas básicas pelas quais as pessoas se conectam ao
mundo). Afinal, quem poderia viver são e
bem numa cultura de caos e feiura?
- Estar aberto à
oposição. Ter o desejo de resolver as questões através de negociações,
discussões, até se chegar a um acordo.
Nunca havia parado para
explorar o que é direita e esquerda (apesar que agora isso é tudo que tem
ocupado meu tempo ultimamente), conservadorismo, individualismo e coletivismo
significavam no pensamento político e filosófico, mas, ouvindo o Scruton falar,
naturalmente me identifiquei com seus posicionamentos na entrevista. E no que
diz respeito ao meu gosto pela arte e pelo que acredito que ela seja, sou no
mínimo um pouco conservador em minhas opiniões. E creio que as manterei assim. Tenho profundo respeito pela ordem, pela
organização, pela estrutura social na qual nasci, pelas figuras de autoridade
que me cercavam (e em muitos casos nunca as considerei minhas opressoras) e
pela religião e os valores que dela herdei, o Cristianismo. Não é a toa que
quando morei nos Estados Unidos, uma das primeiras coisas que mais apreciei foi
a forma organizada como tudo é construído, como nos centros residenciais eles
dão espaço amplo para arborização e pela ausência de pichação nas cidades. Por
mais que o mundo não seja perfeito, nunca senti a necessidade de expressar isso
destruindo e poluindo o que não é meu. Aprecio a história tanto do meu país e o
pouco que se preservou da arquitetura do Brasil barroco colonial quanto da
minha família, motivo que me levou em 2008 a querer estudar sobre a genealogia
de meus antepassados. As raízes que herdamos são os pilares sobre o qual
construímos o senso de quem somos, e por isso, é preciso se ter muito respeito
tanto pelo seu próprio bem quanto o dos outros. E isso me parece ser exatamente
o que respeitar a lei, a propriedade e a religião significam.
Liberdade em excesso
deixa o ser humano sem um Norte. Por isso sou a favor de algumas barreiras e
algumas restrições, e a ética é uma ótima ferramenta para refletirmos sobre
nossas ações e quais as consequências e restrições que poderíamos colocar
nelas. Os extremos podem vim de ambos os lados, por isso a liberdade de
expressão não pode vir a qualquer custo.
Referências:
Artista
que prometeu perder virgindade em performance decepciona plateia:
Artistas
criticam britânico que perderá a virgindade em performance:
Justiça
proíbe artista brasiliense de comercializar estátuas de santos pop:
Jean
Wyllys manifesta apoio à artista cearense:
Ator
joga próprio sangue em protesto pró-LGBT: