quarta-feira, 29 de junho de 2016

Através da Arte Compreendi - Sou Conservador

Não se opor ao erro é aprová-lo, não defender a verdade é negá-la.

- São Tomás de Aquino.

Darei início a esse ensaio fazendo alguns recortes de eventos dispares:

Dois destes aconteceram em Maio deste ano. O primeiro se trata de uma artista, Ana Paula Guimarães, que fabricava imagens de ícones pop em estátuas de base de gesso para os santos católicos. Isso significa que, ela pegava a estátua de gesso que estava pronta para ser um Santo Antônio ou uma imagem da Virgem, e as convertia em Malévola, Galinha Pintadinha, Coringa e etc. O trabalho não é mal feito, a proposta está dentro da releitura que muitos artistas contemporâneos fazem de obras que remetem ao passado, mas para os que ainda veem essas imagens com profunda reverência, o trabalho dela perverte (procurem a etimologia da palavra) a finalidade dessas imagens. Isso causou uma reação por parte da Diocese de Goiânia, que pediu a Justiça que proibisse a fabricação e venda das mesmas. A Diocese poderia até ter pedido uma indenização, mas bastou para esta que a comercialização parasse.


A artista alegava que não tinha como intenção ofender a fé de ninguém. O nome da sua loja é Santa Blasfêmia. Engraçada ela, não é? A base da Justiça em determinar a causa a favor da Diocese é que o direito de imagem dessas peças pertence à Igreja Católica, que se sentiu no direito de se manifestar contra. Essa notícia data 31 de Maio.

Em meu facebook, muitas pessoas relacionadas à área da Arte mostraram favor à artista e sua poética, considerando o ato da Justiça uma censura indevida.

Mas, apesar de o que ela fez ser até aparentemente inofensivo em comparação a outras obras artísticas que denigrem mais explicitamente símbolos cristãos, sabe o que é mais engraçado nessa história? Que se ela tivesse feito o mesmo com estátuas de orixás e os povos de terreiro tivessem reagido igualmente pedindo um bloqueio pela Justiça, eles teriam toda razão. Teria sido censura indevida aí também? Verdade é que, como nesse caso se trata de símbolos da fé cristã, ai então beleza, eles podem fazer o que quiserem. Por que o Cristianismo se tornou motivo de chacota dentro da área da Arte Contemporânea.

Melhor teria sido se, já que não existem tantas representações de Maomé, ela tivesse feito estátuas dele e invertidas em ícones pop. Ah sim, mas aí seria islamofobia. E isso não pode, não é?

O segundo caso se trata de um artista cearense, Ari Areia, que em um seminário intitulado ‘Conversas empoderadas e despudoradas sobre gênero sexualidade e subjetividades’ (que título maravilhoso! Estamos todos hoje tão desprovidos de pudor mesmo que reflete a verdade), ficou nu diante de uma plateia, vedou seus genitais e em seguida perfurou seu braço e deixou seu sangue escorrer sobre uma cruz numa cadeira. Atrás do artista e sua poética, um vídeo pornô era exibido.


As pessoas que se manifestaram a favor dessa excelente performance alegaram que o evento aconteceu dentro de um contexto específico, que era o da conferência LGBT, e que serviu de ponta pé paras as discussões que iriam acontecer ali e que quem não gosta desse tipo de coisa, teria tido a opção de não comparecer, de não assistir o evento. Eu não posso opinar sobre qual seria ou deveria ser o papel da Universidade nesse contexto, pois não sei quais são as regras nem a gestão que regem a UFC. Mas fato é que, num espaço público (pois a Universidade é pública), dado número de pessoas se reuniram para dessacralizar o símbolo mais importante da fé cristã. O artista e apoiadores alegam que ali não havia também, assim como no caso da artista Ana Paula, intenção de atacar o Cristianismo. Será?

 O deputado Jean Wyllys, ao demonstrar apoio ao artista Ari, disse que “No Brasil, a intolerância política está atingindo níveis de violência incompatíveis com a democracia”. Eu me pergunto, incompatíveis com a democracia ou com a ideologia pessoal dele? Porque eu imagino que tudo que o cristão gostaria, é que nesse caso, seu símbolo de fé tivesse sido respeitado e não submetido a esse tipo de situação. O mesmo exemplo da artista Ana Paula se aplica aqui. Se isso tivesse sido feito com um ibgá ou estátua de um orixá, as comunidades das religiões de matriz afro se sentiriam igualmente no direito de repudiar uma situação dessas. A verdade é que nenhum símbolo da fé de alguém deveria estar sujeito a passar por um ato como foi o desse artista, no mínimo, irresponsável. Ou o leitor acredita que, se ele tivesse repensado sua performance, e feito diferente, teria ele estado sujeito a receber não só o repudio mas até mesmo ameaças de morte? Ele foi realmente tão ingênuo que achou que ninguém se indignaria com isso? Ele agiu sem ética.


A minha pergunta diante desse tipo de coisa é, se para ser médico, você tem que ter ética; para ser um psicólogo, você precisa ter ética; para ser um político, você deveria ter ética; para se fazer ciência, você também precisa de um comitê de ética. Então se em muitas outras áreas de atuação, a ética é essencial à prática, porque estamos fazendo arte sem ética? Em minha opinião pessoal, o princípio da ética começa por saber se colocar ou imaginar no lugar do outro. É a velha regra áurea do ‘faça aos outros como gostariam que fizessem a ti’.

Piss Christ (Cristo de Mijo), 1987, do artista Andres Serrano é mais um exemplo de desrespeito e ataque a fé cristã presente na arte contemporânea. 


O caso de 2013, do artista Clayton Pettet, foi um em que o artista pesou na balança as duras críticas que estava recebendo em relação à proposta de sua performance de perder sua virgindade anal com um parceiro num espaço reservado para uma plateia de 100 pessoas. Além de ser algo puramente e meramente sensacionalista, não seria arte de fato. As pessoas transam todos os dias em seus lares e outros espaços indevidos e ninguém está chamando isso de arte. Porque só por que ele faria isso na frente de uma plateia seria arte? Clayton mesmo concluiu, “Eles não queriam ver arte, eles queriam me ver fazendo sexo. Se estavam esperando outra coisa, isso diz mais sobre as pessoas do que sobre mim.” Garoto esperto.

Alguns recortes a mais.

Em 2013 participei de um debate sobre grafite e pichação no SESC-Petrolina. O palestrante e o grupo eram de Recife. De início ele começou falando sobre uma pesquisa sua a respeito da cultura de gangue e a diferença entre os grafismos das pichações de cada gangue, como isso servia para não apenas distinguir o pichador como para afirmar status, dependendo de onde o picho havia sido feito. Achei válido e gostei da proposta do estudo dele, afinal é uma análise de um fenômeno social. Mas ai iniciaram-se as divergências. Ele começou a defender que a pichação deveria ser elevada ao status de arte, e que deveria deixar de ser crime. Discordo. Como uma criança que cresceu na capital de São Paulo, eu sei bem o que é crescer num espaço urbano cercado por poluição visual, e eu odiava isso do fundo do meu coração. Jurava pra mim que se um dia fosse prefeito de São Paulo faria algo a respeito. Porque é isso o que a pichação é ou se torna – poluição visual. Havia trechos em São Paulo onde em todos os lugares que seu olhar repousasse, ali estaria coberto de pichações e garranchos que só alguns indivíduos entenderiam e apreciariam. Felizmente não era o caso da vizinhança onde cresci, mas era a realidade da cidade em geral. E querem fazer com que esse terror visual domine o espaço de outras cidades brasileiras mais bem organizadas? Minha indignação maior veio quando o palestrante disse que, se não fosse pela presença de policiamento nas áreas elevadas de Olinda, eles pichariam a cidade histórica todinha. E eu não duvido, a cultura da pichação é uma de profundo desrespeito.


Prédios cobertos por pichação: cenário comum em São Paulo. Imagine se Petrolina ficasse assim?


É uma cultura de poluição visual que começou em espaços marginais e abandonados e agora quer se apropriar (na verdade nas grandes capitais já o fez) da propriedade privada e do patrimônio público. Para a mentalidade do pichador, não interessa se uma pessoa quer ter os muros de sua casa pichada ou não, ele simplesmente vai lá e faz. E se o dono da casa apagar, faz-se de novo. Não há respeito pela propriedade alheia. Nem pelo patrimônio histórico e cultural do país, como no caso da declaração sobre Olinda.

Sobre quais circunstâncias eu acho que a pichação poderia ser considerada arte? Se um pichador fizesse sua arte em um painel de madeira ou tela, e então viesse a fazer um estudo comparativo de sua pichação com outros tipos de caligrafias, por exemplo. Ou no caso da grafitagem (que em muitos casos revitaliza o espaço urbano), onde um dono de um castelo na Escócia convidou artistas a fazerem isso. O problema está no fato de que, quando a pichação se torna excessiva e indesejada em muitos lugares do espaço urbano, ela se torna cancerígena.

Castelo Kellburn, Escócia. 


Bom, com esses casos que relatei acima, não demorei a perceber que estava entrando em choque com a opinião da maioria (pelo menos a maioria do meio artístico atual) e não sabia exatamente o que minha oposição significava diante desses e tantos outros casos a mais. Foi apenas quando decidi procurar por um vídeo do filósofo Roger Scruton no youtube que encontrei uma entrevista dele concedida a um entrevistador brasileiro sobre o lançamento de seu livro Como Ser Conservador. Apesar dos vários preconceitos que termos como direita e conservadorismo possam evocar na mente do leitor, sugiro que vejam como é flexível e sensata a posição dele sobre diversos assuntos abordados durante a conversa. Nela, Scruton define três traços do que ele acredita ser o significado de ser conservador:

- Respeito pela herança social (respeito pelo que recebemos de nossos ancestrais, pelos que vieram antes de nós).

- Respeito pela lei, religião e propriedade (essas são as formas básicas pelas quais as pessoas se conectam ao mundo). Afinal, quem poderia viver são e bem numa cultura de caos e feiura?

- Estar aberto à oposição. Ter o desejo de resolver as questões através de negociações, discussões, até se chegar a um acordo.

Nunca havia parado para explorar o que é direita e esquerda (apesar que agora isso é tudo que tem ocupado meu tempo ultimamente), conservadorismo, individualismo e coletivismo significavam no pensamento político e filosófico, mas, ouvindo o Scruton falar, naturalmente me identifiquei com seus posicionamentos na entrevista. E no que diz respeito ao meu gosto pela arte e pelo que acredito que ela seja, sou no mínimo um pouco conservador em minhas opiniões. E creio que as manterei assim.  Tenho profundo respeito pela ordem, pela organização, pela estrutura social na qual nasci, pelas figuras de autoridade que me cercavam (e em muitos casos nunca as considerei minhas opressoras) e pela religião e os valores que dela herdei, o Cristianismo. Não é a toa que quando morei nos Estados Unidos, uma das primeiras coisas que mais apreciei foi a forma organizada como tudo é construído, como nos centros residenciais eles dão espaço amplo para arborização e pela ausência de pichação nas cidades. Por mais que o mundo não seja perfeito, nunca senti a necessidade de expressar isso destruindo e poluindo o que não é meu. Aprecio a história tanto do meu país e o pouco que se preservou da arquitetura do Brasil barroco colonial quanto da minha família, motivo que me levou em 2008 a querer estudar sobre a genealogia de meus antepassados. As raízes que herdamos são os pilares sobre o qual construímos o senso de quem somos, e por isso, é preciso se ter muito respeito tanto pelo seu próprio bem quanto o dos outros. E isso me parece ser exatamente o que respeitar a lei, a propriedade e a religião significam.

Liberdade em excesso deixa o ser humano sem um Norte. Por isso sou a favor de algumas barreiras e algumas restrições, e a ética é uma ótima ferramenta para refletirmos sobre nossas ações e quais as consequências e restrições que poderíamos colocar nelas. Os extremos podem vim de ambos os lados, por isso a liberdade de expressão não pode vir a qualquer custo.

Referências:

Artista que prometeu perder virgindade em performance decepciona plateia:

Artistas criticam britânico que perderá a virgindade em performance:

Justiça proíbe artista brasiliense de comercializar estátuas de santos pop:

Jean Wyllys manifesta apoio à artista cearense:

Ator joga próprio sangue em protesto pró-LGBT: