segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Marc Ferrez e a Fotografia Brasileira da segunda metade do século XIX

Breve Contextualização Histórica da Arte no Brasil Imperial

    A arte no Brasil Imperial da segunda metade do século XIX é caracterizada pela hegemonia da Escola Imperial de Belas-Artes, fundada pelo grupo que formara até então a Missão Francesa, em Novembro de 1926.  Antecedendo sua fundação, artistas brasileiros como Aleijadinho eram vistos (assim como na Europa Medieval, antes do surgimento da Renascença) como meros artesãos. Têm estes como principal empregador à Igreja e sua arte é fortemente marcada pelo estilo barroco.

Com a fundação da Academia Imperial de Belas-Artes no século XIX este cenário muda, surgindo um projeto de consolidação e de enaltecimento do Império Brasileiro e seu Chefe de Estado, o Imperador. A Academia é acompanhada, assim, de um profundo senso de missão civilizatória em sua necessidade de enaltecer o Império. A Academia Imperial é mercada pelo conservadorismo artístico da época, e, portanto, o estilo principal que tenta ser consolidado é o Neoclassicismo. Todavia, quando esta instituição chega ao Brasil, é acompanhada pela pressão vinda de duas novas tendências pictóricas que faziam o gosto da Europa no momento – o Naturalismo e o Realismo – diferenciando-se da tradição Neoclássica pelo que entendia como captação ‘fiel’ do real. Dicotomia esta que levou a Academia aos poucos a integrar estes novos estilos em sua produção artística, em partes pelo próprio gosto do Imperador, que apreciava paisagens em aquarela de artistas naturalistas. É neste contexto que surge a fotografia no Brasil, como uma nova e infalível técnica de representação do real e que também lutou por espaço dentro da Academia, tendo confrontado o pensamento dos mestres conservadores da época sobre qual deveria ser seu posicionamento.

 Marc Ferrez – Fotógrafo do Império e do Brasil


1906 – Avenida Central, atual avenida Rio Branco. RJ. Instituto Moreira Salles. 


Nascido em 7 de Dezembro de 1843 no Rio de Janeiro, filho de Alexandrine Chevalier e Zéphyrin Ferrez, o destino parece reservar a Marc Ferrez, através de infortúnios diversos, as condições necessárias que o fariam pioneiro da fotografia no Brasil imperial.

Seu pai, outrora gravador de medalhas e metais para a Missão Francesa e depois Academia Imperial, deixa este ofício posteriormente para fundar uma fábrica de papel em Andaraí, região do Rio de Janeiro. É neste contexto que, em 1850, Marc perde seus pais juntamente com escravos e a propriedade na qual havia crescido num misterioso acidente, provavelmente devido à contaminação química por parte da fábrica, aos sete anos de idade. É então levado à França, onde vive na companhia do amigo da família e escultor francês Alphée Dubois. É provavelmente durante este período na França onde o jovem Ferrez primeiro toma contato com a fotografia, da qual a França entre outros países como a Inglaterra e o próprio Brasil, é pioneiro em desenvolver tal tecnologia. Durantes sua estadia na França destaca-se a Exposição Universal de Paris de 1855, da qual certamente deve ter tomado contato com Dubois.

Marc Ferrez retorna ao Brasil em 1859 (aos dezesseis anos), onde é empregado pela oficina de Georges Leuzinger, fotógrafo suíço. Esta, ao contrário de ocupar-se inteiramente de fotografia da nobreza carioca da época, atendia mais ao mercado editorial europeu e norte-americano com fotos de paisagens do Brasil para suprir uma demanda de ilustrações de trabalhos científicos e de estudiosos naturalistas. É neste contexto que Ferrez teria se especializado como fotógrafo de paisagens e navios, possivelmente sobre a influência de outro fotógrafo do estúdio Leuzinger, Franz Kellner.


1875 – Cachoeira de Paulo Afonso. BA. Leibniz-Institut fuer Laenderkunde, Liepzig. 


Em 1867, abre sua firma sobre o nome Marc Ferrez & Cia. A prática que absorvera do estúdio de seu antigo empregador o notabilizou como fotógrafo da Marinha Imperial, epíteto que aparece em seus cartões no final da década de ’60, devido as suas fotografias de estaleiros imperiais que eram destinados a fabricações de navios para a Guerra do Paraguai.



1884 – Araucárias. PR. Instituo Moreira Salles. 


 Outro infortúnio lhe sobressai em Novembro de 1873, quando um incêndio destrói todo seu acervo de materiais e negativos, fazendo com que este viaje ao Velho Mundo, criando laços e contatos com diversos vendedores e distribuidores de materiais fotográficos. E dentro deste contexto que Marc viera a se tornar um dos mais importantes importadores de materiais fotográficos e fílmicos da segunda metade do século XIX e primeira década do século XX. Contatos estes que o fizerem liderar durante este recorte de tempo, o monopólio da indústria fotográfica e das primeiras salas de cinema no Brasil.

Porém, é apenas na década de ’70 que vemos Ferrez assumir o papel de um dos maiores pioneiros do ramo no Brasil quando é contratado para fazer parte da Comissão Geológica do Império de 1875-77, chefiada pelo cientista canadense Charles Frederick Hartt. A comissão tinha como objetivo viajar por diversas partes do Brasil, mostrando através do registro fotográfico o potencial das riquezas naturais do Brasil e ajudar na consolidação da identidade nacional. A comissão percorreu trechos diversos do território do Nordeste brasileiro, como as cachoeiras de Paulo Afonso, as paisagens do baixo São Francisco e os arrecifes de Pernambuco.  Suas imagens, apesar de terem sido feitas com o propósito de ajudar cientificamente a Comissão, acabam ganhando notoriedade na IV Exposição Nacional de 1875 quanto na Exibição Universal da Filadélfia de 1876, contribuindo assim para um acervo de imagens que ajudaram a consolidar um senso de identidade nacional brasileira. 


1875 – Charles Hartt, durante levantamento da comissão da Comissão Geológica do Império. PE. Instituo Moreira Salles. 

Mesmo após a comissão ter chegado ao seu fim em 1877 por motivos econômicos e pela própria morte de Hartt por febre amarela, Ferrez continuou até o fim de sua carreira a fotografar cenas de um Brasil diversificado em seus sujeitos que o compunham, rico em crescimento econômico, florescente em obras e construções.


1895 – Ponte do Silvestre. RJ. Instituto Moreira Salles. 

Comentários sobre sua produção e a identidade nacional

Embora tenha se destacado no início de sua carreira como fotógrafo de paisagens e navios, a produção de Ferrez se destacou ainda mais pela diversidade de temas, tendo fotografado também pessoas de todos os níveis sociais, panoramas, estruturas como pontes, aquedutos e reservas, e diferentes partes do território nacional.

A construção da identidade brasileira através da fotografia de Marc Ferrez apresenta algumas questões a serem consideradas. Primeiro, porque estamos tratando de algo que não vem naturalmente, mas que teve todo um esforço político por trás - como fazer sujeitos diversos que não haviam todos nascidos sob um mesmo período temporal e sob um mesmo governo, sentirem-se parte da identidade de uma mesma nação? Trata-se de algo que não veio naturalmente, mas que de sua natureza é construção discursiva. A construção da identidade nacional se dá como discurso. 

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1875 - Quitandeiras. RJ. Instituto Moreira Salles. 

1875 - Índios do sul da Bahia. BA. Instituo Moreira Salles.


A ampla visibilidade que estas imagens tiveram, tanto para o país como para o exterior, ajudaram a criar a imagem de um Brasil dicotômico – se por um lado, a diferença entre as diferentes etnias que habitaram o mesmo espaço geográfico em períodos diferentes (pois temos de início os indígenas, depois temos as chegadas dos portugueses, franceses, holandeses, etc. tudo acontecendo em tempos diferentes), além do próprio espaço do território nacional que é imenso, como reunir todos estes elementos aparentemente antagônicos na criação de uma identidade nacional? A colaboração que sua produção fotográfica nos legou foi justamente o ter tentado suturar essas barreiras, tornando-as elementos unificadores – o Brasil era unificado em suas particularidades e diferenças, eram justamente elas quem davam ao Brasil a sua cara e sua noção de “brasilidade” – os índios, ainda entendidos como estranhos e selvagens, os negros que logo no fim do Império são declarados livres da escravidão, a presença de diversas etnias europeias no país, fora as diferenças de classes e ocupações, a indústria e o comércio que floresciam, as obras do Império – todos estes elementos combinavam-se no oeuvre fotográfico de Ferrez. 



 













1899 – Amolador. RJ. Instituo Moreira Salles.                                                     






















1888 – Primeira foto brasileira de um grupo                                                                                                                                           
 de mineiros escavando mina de ouro. MG. Instituo Moreira Salles.
















1899 – Vendedora de miudezas. RJ. Instituto Moreira Salles. 


Referências:

Chiarelli, Tadeu. História da Arte/ História da Fotografia no Brasil – Século XIX: Algumas considerações. São Paulo: Editora USP. 2005.

Moraes, Julio Lucchesi. A Trajetória Econômica da Firma Marc Ferrez&Filhos (1904-1921). Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 2010.

Araujo, Viviane da Silva. Marc Ferrez e as imagens da nação: uma investigação acerca da construção da identidade nacional brasileira. São Paulo: Editora UNESP-Franca. 2007.