Breve Contextualização Histórica da Arte
no Brasil Imperial
A arte no Brasil Imperial da segunda metade
do século XIX é caracterizada pela hegemonia da Escola Imperial de Belas-Artes,
fundada pelo grupo que formara até então a Missão Francesa, em Novembro de
1926. Antecedendo sua fundação, artistas
brasileiros como Aleijadinho eram vistos (assim como na Europa Medieval, antes
do surgimento da Renascença) como meros artesãos. Têm estes como principal
empregador à Igreja e sua arte é fortemente marcada pelo estilo barroco.
Com a fundação da
Academia Imperial de Belas-Artes no século XIX este cenário muda, surgindo um
projeto de consolidação e de enaltecimento do Império Brasileiro e seu Chefe de
Estado, o Imperador. A Academia é acompanhada, assim, de um profundo senso de
missão civilizatória em sua necessidade de enaltecer o Império. A Academia
Imperial é mercada pelo conservadorismo artístico da época, e, portanto, o
estilo principal que tenta ser consolidado é o Neoclassicismo. Todavia, quando
esta instituição chega ao Brasil, é acompanhada pela pressão vinda de duas
novas tendências pictóricas que faziam o gosto da Europa no momento – o Naturalismo
e o Realismo – diferenciando-se da tradição Neoclássica pelo que entendia como
captação ‘fiel’ do real. Dicotomia esta que levou a Academia aos poucos a
integrar estes novos estilos em sua produção artística, em partes pelo próprio
gosto do Imperador, que apreciava paisagens em aquarela de artistas
naturalistas. É neste contexto que surge a fotografia no Brasil, como uma nova
e infalível técnica de representação do real e que também lutou por espaço
dentro da Academia, tendo confrontado o pensamento dos mestres conservadores da
época sobre qual deveria ser seu posicionamento.
1906
– Avenida Central, atual avenida Rio Branco. RJ. Instituto Moreira Salles.
Nascido em 7 de
Dezembro de 1843 no Rio de Janeiro, filho de Alexandrine Chevalier e Zéphyrin
Ferrez, o destino parece reservar a Marc Ferrez, através de infortúnios
diversos, as condições necessárias que o fariam pioneiro da fotografia no
Brasil imperial.
Seu pai, outrora
gravador de medalhas e metais para a Missão Francesa e depois Academia
Imperial, deixa este ofício posteriormente para fundar uma fábrica de papel em
Andaraí, região do Rio de Janeiro. É neste contexto que, em 1850, Marc perde
seus pais juntamente com escravos e a propriedade na qual havia crescido num
misterioso acidente, provavelmente devido à contaminação química por parte da
fábrica, aos sete anos de idade. É então levado à França, onde vive na companhia
do amigo da família e escultor francês Alphée Dubois. É provavelmente durante
este período na França onde o jovem Ferrez primeiro toma contato com a
fotografia, da qual a França entre outros países como a Inglaterra e o próprio
Brasil, é pioneiro em desenvolver tal tecnologia. Durantes sua estadia na
França destaca-se a Exposição Universal de Paris de 1855, da qual certamente
deve ter tomado contato com Dubois.
Marc Ferrez retorna ao
Brasil em 1859 (aos dezesseis anos), onde é empregado pela oficina de Georges
Leuzinger, fotógrafo suíço. Esta, ao contrário de ocupar-se inteiramente de
fotografia da nobreza carioca da época, atendia mais ao mercado editorial
europeu e norte-americano com fotos de paisagens do Brasil para suprir uma
demanda de ilustrações de trabalhos científicos e de estudiosos naturalistas. É
neste contexto que Ferrez teria se especializado como fotógrafo de paisagens e
navios, possivelmente sobre a influência de outro fotógrafo do estúdio
Leuzinger, Franz Kellner.
1875
– Cachoeira de Paulo Afonso. BA. Leibniz-Institut
fuer
Laenderkunde,
Liepzig.
Em 1867, abre sua firma
sobre o nome Marc Ferrez & Cia. A
prática que absorvera do estúdio de seu antigo empregador o notabilizou como fotógrafo da Marinha Imperial, epíteto
que aparece em seus cartões no final da década de ’60, devido as suas
fotografias de estaleiros imperiais que eram destinados a fabricações de navios
para a Guerra do Paraguai.
1884
– Araucárias. PR. Instituo Moreira Salles.
Outro infortúnio lhe sobressai em Novembro de 1873, quando um incêndio destrói todo seu acervo de materiais e negativos, fazendo com que este viaje ao Velho Mundo, criando laços e contatos com diversos vendedores e distribuidores de materiais fotográficos. E dentro deste contexto que Marc viera a se tornar um dos mais importantes importadores de materiais fotográficos e fílmicos da segunda metade do século XIX e primeira década do século XX. Contatos estes que o fizerem liderar durante este recorte de tempo, o monopólio da indústria fotográfica e das primeiras salas de cinema no Brasil.
Porém, é apenas na
década de ’70 que vemos Ferrez assumir o papel de um dos maiores pioneiros do
ramo no Brasil quando é contratado para fazer parte da Comissão Geológica do Império de 1875-77, chefiada pelo cientista
canadense Charles Frederick Hartt. A comissão tinha como objetivo viajar por
diversas partes do Brasil, mostrando através do registro fotográfico o
potencial das riquezas naturais do Brasil e ajudar na consolidação da
identidade nacional. A comissão percorreu trechos diversos do território do
Nordeste brasileiro, como as cachoeiras de Paulo Afonso, as paisagens do baixo
São Francisco e os arrecifes de Pernambuco. Suas imagens, apesar de terem sido feitas com
o propósito de ajudar cientificamente a Comissão, acabam ganhando notoriedade
na IV Exposição Nacional de 1875 quanto na Exibição Universal da Filadélfia de
1876, contribuindo assim para um acervo de imagens que ajudaram a consolidar um
senso de identidade nacional brasileira.
1875
– Charles Hartt,
durante levantamento da comissão da Comissão Geológica do Império. PE. Instituo
Moreira Salles.
Mesmo após a comissão
ter chegado ao seu fim em 1877 por motivos econômicos e pela própria morte de
Hartt por febre amarela, Ferrez continuou até o fim de sua carreira a
fotografar cenas de um Brasil diversificado em seus sujeitos que o compunham,
rico em crescimento econômico, florescente em obras e construções.
1895
– Ponte do Silvestre. RJ. Instituto Moreira Salles.
Comentários
sobre sua produção e a identidade nacional
Embora tenha se
destacado no início de sua carreira como fotógrafo de paisagens e navios, a
produção de Ferrez se destacou ainda mais pela diversidade de temas, tendo
fotografado também pessoas de todos os níveis sociais, panoramas, estruturas
como pontes, aquedutos e reservas, e diferentes partes do território nacional.
A construção da identidade brasileira através da fotografia de Marc Ferrez apresenta algumas questões a serem consideradas. Primeiro, porque estamos tratando de algo que não vem naturalmente, mas que teve todo um esforço político por trás - como fazer sujeitos diversos que não haviam todos nascidos sob um mesmo período temporal e sob um mesmo governo, sentirem-se parte da identidade de uma mesma nação? Trata-se de algo que não veio naturalmente, mas que de sua natureza é construção discursiva. A construção da identidade nacional se dá como discurso.
A construção da identidade brasileira através da fotografia de Marc Ferrez apresenta algumas questões a serem consideradas. Primeiro, porque estamos tratando de algo que não vem naturalmente, mas que teve todo um esforço político por trás - como fazer sujeitos diversos que não haviam todos nascidos sob um mesmo período temporal e sob um mesmo governo, sentirem-se parte da identidade de uma mesma nação? Trata-se de algo que não veio naturalmente, mas que de sua natureza é construção discursiva. A construção da identidade nacional se dá como discurso.
.

1875 - Quitandeiras. RJ. Instituto Moreira Salles.
1875
- Índios do sul da Bahia. BA. Instituo Moreira Salles.
A ampla visibilidade
que estas imagens tiveram, tanto para o país como para o exterior, ajudaram a
criar a imagem de um Brasil dicotômico – se por um lado, a diferença entre as
diferentes etnias que habitaram o mesmo espaço geográfico em períodos
diferentes (pois temos de início os indígenas, depois temos as chegadas dos
portugueses, franceses, holandeses, etc. tudo acontecendo em tempos
diferentes), além do próprio espaço do território nacional que é imenso, como
reunir todos estes elementos aparentemente antagônicos na criação de uma
identidade nacional? A colaboração que sua produção fotográfica nos legou foi
justamente o ter tentado suturar essas barreiras, tornando-as elementos
unificadores – o Brasil era unificado em suas particularidades e diferenças,
eram justamente elas quem davam ao Brasil a sua cara e sua noção de
“brasilidade” – os índios, ainda entendidos como estranhos e selvagens, os
negros que logo no fim do Império são declarados livres da escravidão, a
presença de diversas etnias europeias no país, fora as diferenças de classes e
ocupações, a indústria e o comércio que floresciam, as obras do Império – todos
estes elementos combinavam-se no oeuvre fotográfico
de Ferrez.
1899 – Amolador. RJ. Instituo Moreira Salles.
1888 – Primeira foto brasileira de um grupo
de mineiros escavando mina de ouro. MG. Instituo Moreira Salles.
1899 – Vendedora de miudezas. RJ. Instituto Moreira Salles.
Referências:
Chiarelli,
Tadeu. História da Arte/ História da Fotografia no Brasil
– Século XIX: Algumas considerações. São Paulo: Editora USP. 2005.
Moraes,
Julio Lucchesi. A Trajetória Econômica da Firma Marc
Ferrez&Filhos (1904-1921). Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 2010.
Araujo,
Viviane da Silva. Marc Ferrez e
as imagens da nação: uma investigação acerca da construção da identidade
nacional brasileira. São Paulo: Editora UNESP-Franca. 2007.