De início quando vi o
trabalho na parede do hall, a primeira coisa que pensei foi, Ah não, mais um desses. Vários motivos
me faziam não gostar daquela imagem. Duas figuras humanas feitas de fita
adesiva pregadas na parede, uma masculina e a outra feminina. Uma corta uma das
veias principais do pescoço, enquanto o outro cortava o pulso. Uma seta com a
legenda Saída de Emergência encontrava-se
do lado da faca em cada figura. Dentro das mesmas, linhas azuis e vermelhas das
veias traçadas em giz acompanham o percurso da ferida infligida até o coração.

As formas das figuras com
a representação das veias estão bem feitas, mas era o conteúdo que incomodava.
Um ano atrás havia outro trabalho exposto no hall, Quebre em caso de emergência, que consistia de uma caixa pintada
vermelho com itens sugeridos para o suicídio do espectador. Recordo dos
comentários que ouvi dos alunos de outros cursos e até de alguns dos discentes
de Artes também: que o trabalho banalizava o suicídio, e a imagem ficou criada
dos alunos de Artes expressando seus desejos mórbidos da forma mais cliché
possível, ou então que só queriam falar mal da religião ou da vida. Tanta
indignação causara até que uma nota fosse colada ao lado da obra algum tempo
depois de estar exposta, dizendo algo do tipo, Pra que isso?
E justamente nesta
Quarta-Feira quando jantava no R.U do campus Petrolina, escutei comentários de
dois estudantes de psicologia que diziam que o trabalho passava uma mensagem de
banalização do suicídio. Isso me levou a pensar sobre o efeito daquela imagem,
pois eu mesmo havia pensado nisso logo em seguida quando primeiro a vi. A ideia
de colocar uma sinalização dizendo ‘saída de emergência’ como se estas partes
do corpo fossem fáceis válvulas de escape para qualquer mal estar que a vida
possa estar nos causando não me agradava. Além do que apenas reforçava a ideia
dos alunos de Artes como sendo pessoas mórbidas.
Em segundo lugar, pensei
nas pessoas portadoras de distúrbio mental e transtornos do humor que poderiam
tomar contato com essa bora, incluindo eu mesmo. Tendo passado por alguns períodos
de depressão em minha vida, onde havia falta de animo para tudo e uma grande
sensação de desgaste interno e de simplesmente querer desistir quando muitos ao
seu redor querem que você continue, sei como não é fácil lutar contra
tendências autodestrutivas. Sei também que em nosso curso há outros que são portadores
de distúrbios mentais e pensei também em como essa imagem poderia impactá-los.
A aparente banalidade com que a obra apresenta a questão do suicídio parece
desconsiderar por total a luta pessoal que esses portadores têm para resistirem
seus próprios impulsos destrutivos e permanecerem pessoas ativas e produtivas
no mundo.
Essas foram as minhas
primeiras impressões quando vi este trabalho, sem saber quem o tinha feito nem
por qual motivo escolheu fazer o que fez.
Tendo levantado todos
esses questionamentos em mim, decidi dessa vez ir atrás e questionar meus
colegas para saber por que trabalhos dessa natureza estavam saindo dos
ateliers. A fim de escrever algo que não apenas critique a obra, mas que possa
ser justo e oferecer pontos de vistas alternativos, resolvi falar com alguns
colegas e com a própria criadora da obra.
Soube que o trabalho em
questão foi feito por minha colega Daiane Marques, da turma de 2014.1, se não
me engano. Tive a oportunidade de conversar com ela esta noite e saber o que a motivou a fazer essa imagem e o que quis passar com isso.
Coloco aqui alguns trechos
da conversa que tive com Daiane, que sabendo da natureza desse ensaio consentiu
que eu colocasse os comentários dela aqui:
O
que inspirou você a fazer essa obra?
O trabalho foi para a
disciplina de Tridimensional II. Assistimos a um filme chamado A Excêntrica Família de Antônia, que
falava sobre os ciclos da vida e onde
tinha um personagem que apesar de ser muito inteligente, ele se sentia
solitário e não conseguia formar laços, e no fim ele opta por essa saída. A
ideia para esse trabalho foi espelhado nesse personagem. Também tenho uma amiga
que já tentou se suicidar duas vezes, então essas coisas me levaram a pensar
nisso.
Ano
passado havia outra obra exposta aqui no hall que se tratava de uma caixa de
sapatos que havia sido pintada de vermelho, e dentro colocaram uns três itens –
uma faca, uma tesoura e outro não recordo – e selaram com filme plástico. Ao
lado colocaram uma placa ‘Quebre em caso de emergência’. Você viu esse
trabalho?
Não cheguei a ver.
O
que você quis falar com essa obra?
O propósito foi
levantar essa questão do suicídio presente na sociedade: porque ele acontece e
muitas vezes não é discutido entre as pessoas?
Você
acha que conseguiu isso?
Não sei, não tenho
certeza porque não recebi muitas respostas das pessoas, exceto de alguns
colegas da minha turma.
Você
é a favor do suicídio?
Sim, acho que devemos
ter o direito de poder decidirmos sobre nosso corpo e sobre nossa vida e o que
fazemos dela. As pessoas vão continuar fazendo isso mesmo sem poder ter assistência a formas mais humana e menos dolorosa. E se
essa é a decisão que uma pessoa toma pra si, ela deveria poder fazer isso com assistência médica legalmente.
Já
eu discordo. Sou a favor de uma pessoa acabar com sua própria vida apenas em
casos de doenças terminais quando o paciente não quer prolongar mais seus dias
em degeneração. Há uma clínica na Suíça que oferece assistência médica e
psicológica a quem quer se matar, estando ou não em estado terminal. Eu penso que
se está saudável, que a questão de tratar a mente em desequilíbrio e não
desistir facilmente é importante. Quando estamos deprimidos, não conseguimos raciocinar
ou avaliar a situação em que nos encontramos direito, por isso não acho certo
que uma pessoa jovem e saudável faça isso com si. O problema de pessoas com
depressão é muitas vezes não conseguir enxergar uma luz no fim do túnel, e isso
é possível ser mudado dado a chance ao tempo, circunstâncias e condições da vida
passarem.
Você
chegou a pensar o que uma pessoa portadora de distúrbio mental pensaria ao ver
a imagem?
Confesso que não
cheguei a pensar totalmente nisso. Eu tinha mais em mente a história do
personagem e o que passei com minha amiga, mas não cheguei a pensar como uma
pessoa portadora reagiria.
O
que mais você gostaria de dizer a respeito?
Eu acho que uma das
outras questões é como você levantou, de, por exemplo, uma imagens dessas teria
a capacidade de influenciar você a se suicidar se a vê-la? Até onde as imagens
que vemos ao nosso redor nos influenciam e se sim, então qual é o verdadeiro
poder das imagens?
Nas conversas que tive
com colegas meus tanto do curso de Artes quanto de outras áreas, as opiniões
foram mistas. Alguns não gostaram, geralmente citando alguns dos motivos já
citados acima por mim ou alegando que a obra da forma como foi feita não
transmitia ou acrescentava nada de bom. Outros viam a inventividade do
trabalho, admitiam o seu tom meio negro (sem ofensa à etnia) e achavam engraçado.
Até mesmo uma estudante portadora de distúrbio mental ao ser questionada disse
que viu graça no trabalho tendo reconhecido a si mesma nele, ao mesmo tempo
ciente das implicações mais sérias que a obra poderia causar.
Para concluir, em
conversa que tive com outra colega, outro ponto em contrapartida foi apresentado.
Uma visão mais neutra sobre o assunto:
O
que você acha da obra exposta no hall?
Não acho nada em
particular. Quem fez quis passar a mensagem que passou e fez isso da maneira
que quis.
Você
está dizendo que concorda com a obra, da forma como foi feita?
Eu estou dizendo que
não tenho nada contra a obra. Porque você reagiu a essa obra, e não a outras
como, por exemplo, ao do boneco crucificado?
Porque
o trabalho toca numa questão pessoal para mim.
Então, está vendo, se o
trabalho mexe com você de alguma forma, então a obra conseguiu atingir a sua
função. Há muito tempo o valor absoluto do belo deixou de ser a norma e
objetivo das obras. Hoje um artista pode passar a mensagem da forma que quiser
– a partir do que choca, sendo irônico, sendo feio até.
Mas
e quanto aos possíveis efeitos que um trabalho feito dessa forma possa causar,
como interpretar mal o que o artista quis dizer?
O artista tem o direito
de dizer o que ele quiser. A expressão dele é livre. Não é culpa dele se o que
ele quer passar chega de forma diferente no público, porque entre o que ele
concebe e como o público recebe existe uma grande distância.
Por fim, não fecho conclusão alguma em torno desse trabalho. Ambíguo,
assim como toda obra de arte, seja ela aplaudida ou vaiada, sempre estará
aberta a um número indeterminado de discursos que podem ser levantados em torno
dela.